Sucessão em Empresas Familiares. Por Luis Rasquilha

23-07-2025

A sucessão em empresas familiares é, talvez, um dos processos mais críticos e sensíveis na gestão organizacional. Não se trata apenas de uma transição de poder ou cargos, mas sim da continuidade de uma visão, de valores e de um legado construído ao longo de gerações. A forma como esta transição é planeada, estruturada e operacionalizada pode ditar o sucesso ou a ruína da empresa.

O que é a Sucessão numa Empresa Familiar?

A sucessão numa empresa familiar refere-se ao processo de transferência da liderança, da propriedade ou de ambos, de uma geração para outra, geralmente dentro do núcleo familiar. Mais do que um simples ato administrativo, é um processo de natureza estratégica, emocional e relacional.

Este processo pode envolver:

  • Sucessão na gestão: passagem do cargo de liderança executiva (por exemplo, CEO ou Diretor-Geral).
  • Sucessão na propriedade: transferência das quotas ou ações entre membros da família.
  • Sucessão no legado e cultura: garantir que os valores fundadores se mantêm e evoluem com coerência.

Como se Estrutura e Opera a Sucessão

Uma sucessão bem-sucedida exige uma abordagem estruturada, planeada com tempo, clareza e diálogo. O processo pode ser dividido em várias fases:

1. Diagnóstico e Preparação

  • Avaliação do ciclo de vida do fundador e da empresa;
  • Identificação das competências necessárias para o futuro da organização;
  • Reflexão sobre o modelo de governação atual.

2. Planeamento Estratégico da Sucessão

  • Definição de critérios objetivos para escolha do(s) sucessor(es);
  • Elaboração de um plano de desenvolvimento das novas lideranças (formação, mentoria, acompanhamento);
  • Criação de um calendário para a transição.

3. Estruturação Jurídica e Patrimonial

  • Planeamento sucessório com apoio jurídico e fiscal;
  • Reorganização societária se necessário (por exemplo, criação de holdings familiares, fundações ou conselhos de família).

4. Governança Familiar e Empresarial

  • Implementação de órgãos de governança: Conselho de Família, Conselho de Sócios, Conselho de Administração;
  • Redação de um Protocolo Familiar que regule relações, responsabilidades e direitos.

5. Implementação e Acompanhamento

  • Transição gradual de responsabilidades;
  • Monitorização do desempenho do sucessor;
  • Apoio contínuo do antecessor como mentor (sem interferência executiva direta).

Desafios Comuns no Processo Sucessório

Apesar da sua importância, muitas empresas familiares adiam ou negligenciam o processo sucessório. Entre os principais desafios estão:

  • Resistência do fundador: dificuldade em "largar o leme", por medo de perda de controlo ou identidade;
  • Falta de preparação da nova geração: ausência de formação, interesse ou perfil de liderança;
  • Conflitos familiares: rivalidades, ciúmes ou má comunicação entre membros da família;
  • Ausência de regras claras: improvisação e decisões informais podem gerar insegurança jurídica e instabilidade;
  • Confusão entre família, propriedade e gestão: mistura de papéis e interesses pode comprometer a sustentabilidade do negócio.

Vantagens de uma Sucessão Bem Gerida

Tratar a sucessão de forma profissional e estruturada traz benefícios tangíveis e intangíveis para a empresa familiar:

  • Continuidade estratégica e cultural: preservação do legado com capacidade de inovação e adaptação ao futuro;
  • Estabilidade e confiança interna e externa: maior credibilidade junto de colaboradores, clientes, fornecedores e investidores;
  • Redução de conflitos: regras claras evitam disputas familiares e decisões arbitrárias;
  • Maior atratividade para talentos e financiamento: organizações com governança forte são vistas como mais confiáveis;
  • Harmonia familiar: o planeamento evita fraturas nas relações pessoais.

Preparar Hoje o Futuro de Amanhã

Em Portugal, muitas empresas familiares ainda resistem a encarar a sucessão como um processo natural e estratégico. No entanto, os dados são claros: apenas cerca de 30% das empresas familiares sobrevivem à segunda geração, e menos de 10% chegam à terceira. A chave para inverter esta estatística reside no planeamento e profissionalização do processo sucessório.

A sucessão não é um fim, mas sim um novo começo. Quando bem-feita, representa uma oportunidade de renovação, de inovação e de fortalecimento da identidade da empresa familiar.

Preparar a sucessão é preparar o futuro. E isso, como tudo na gestão, começa com uma decisão: agir.