A IA dá-me muita preguiça. Por Rui Ribeiro

11-07-2025

Há dias, comentava com um colega que perdi qualidade a estacionar carros, tudo porque depois dos sensores, o meu carro "estaciona sozinho", bastando um único clique. Se em 1993, no Opel Kadet do meu pai, parecia que eu conseguia fazer maravilhas ao conseguir estacionar em milímetros de distância dos carros próximos, sem bater e em locais incrivelmente estreitos. Hoje muito dificilmente conseguiria fazer o mesmo, pois se os sensores deram uma grande ajuda, hoje a realidade é que basta "um botão" e "nem preciso" estar dentro do carro! A Inteligência Artificial (IA) tem entrado nas nossas vidas e rotinas de maneiras que, há alguns anos, pareciam impossíveis. Automatiza processos, organiza os nossos dados, e até nos ajuda a tomar decisões mais rápidas e informadas, sem nos apercebermos. No entanto, apesar de todas estas maravilhas de eficiência, confesso que verifico que a IA nos dá muita preguiça. Ao mesmo tempo que promete simplificar a vida, acaba por nos distanciar e destreinar de tarefas que exigem esforço mental, criatividade e uma dose saudável de improvisação.

Pensemos, por exemplo, nas inovações diárias que a IA nos oferece: desde os algoritmos que nos sugerem o próximo filme a assistir até os assistentes virtuais que respondem a praticamente qualquer pergunta que fazemos. Essa conveniência é, sem dúvida, uma benção moderna, mas ironicamente, essa mesma facilidade de acesso de "saber imediato" torna-nos muito menos curiosos, menos ativos na busca por soluções criativas e, eventualmente, nos torna mais acomodados e destreinados. Para quem, como eu, foi praticante de desporto (andebol no meu caso), sabe a importância de treinar, pois traz-nos repetição, erro, aprendizagem, rotinas, as quais são essenciais à evolução da nossa motricidade, criatividade e raciocínio!

A IA, ao automatizar decisões e previsões, tende a poupar-nos de esforços que antes eram essenciais. Hoje, ao contrário de dedicarmos tempo à pesquisa e à reflexão, muitos de nós dependemos de algoritmos para escolher o que ler, o que ouvir, e até mesmo qual caminho a seguir ao usarmos o Waze. A capacidade da IA de nos poupar trabalho é impressionante, mas ao longo do tempo, leva-nos a um estado de passividade intelectual, onde somos guiados pelo conforto da automação, ao invés da nossa própria busca por respostas ou descobertas.

E se, quem hoje tem 35 anos ou mais, ainda viveu uma época analógica, quem como os meus filhos (entre os 7 e os 21 anos) já nasce em modelo "Geração Z" digital, foi habituado a simplesmente aceder a serviços feitos e muito pouco a entender como eles são feitos. Dois conceitos importantes e cruciais que esculpem o modelo de vida de hoje…. e que fomos totalmente induzidos a fazer. E, com isto, não estou a indicar que devemos regressar à pré-história! Apenas estou a indicar que na escola (e nós, enquanto pais) devemos ensinar como se fazem as coisas e não a dar as coisas como feitas. Há um ditado popular que caracteriza muito bem esta realidade do que estamos a ser induzidos: "Dá ao homem um peixe e ele alimenta-se por um dia. Ensina um homem a pescar e ele alimenta-se para toda a vida!"

Para além desta preguiça mental, há também uma sensação de distanciamento das atividades criativas. Com a IA facilitando processos que antes obrigavam a pensamento analítico e esforço criativo, há o risco de que tornar as pessoas menos envolvidas nas atividades, por menor ligação à criação dessa mesma atividade! O "atalho" disponibilizado pela IA leva-nos a soluções rápidas, mas será que essas são as melhores soluções? Será que não estamos a perder algo essencial ao depender excessivamente da tecnologia? Será que estamos a ser guiados por quem nos quer levar para determinados caminhos e hábitos?

E com isto não estou a criar fantasmas de teorias da conspiração! Estou apenas a procurar incentivar a cultura do questionamento, da dúvida, da análise crítica, da capacidade de alicerçar valores humanos essenciais.

Próximo capítulo virá, nesta análise crítica e filosófica do que bom e menos bom a IA traz à nossa "massa cinzenta"…

Recentemente, e tendo em conta as mais recentes evoluções da Inteligência Artificial (IA), discute-se bastante se ela tem ou não capacidade criativa ou não, uma vez que a mesma é tecnicamente programada para a realização dessas tarefas. A discussão pode até ser mais ou menos filosófica sobre o tema, mas a realidade pragmática é que hoje a IA tem enormes capacidades na criação de textos, composições musicais e até realizar outros tipos de obras de arte como a pintura. Ou seja, pragmaticamente, os resultados apresentados são confundíveis aos olhos naturais da maioria dos humanos e, em muitas situações, o resultado apresentado pela IA é mais que suficiente para o objetivo pretendido.

Quantos não pensam que "se eu gosto da música que oiço" ou "se li um texto bastante completo e descritivo sobre um tema" ou "se olho uma pintura que aprecio e que fica perfeitamente enquadrado numa divisão da minha casa", por um preço de custo ou de venda muito inferior ao tradicional, nem quero saber quem fez. Enquanto consumidores de algo, a maioria das pessoas está certamente mais preocupada com o prazer do resultado final e não com o processo produtivo ou criativo.

Tal é potenciado pela capacidade produtiva infinitamente maior, da disponibilidade de computação, trazendo por isso acessível a produção destas "novas obras de arte" por uma população que não tem normalmente acesso, nem os conhecimentos técnicos para a sua produção. Logo, por mais fascinante que seja, é certo que essa automação artística distancia da essência do processo criativo. A reflexão, o erro e a tentativa fazem parte do caminho de qualquer criação significativa. A IA pode oferecer um resultado final eficiente, mas o caminho percorrido até lá é o que muitas vezes define o valor e a profundidade de uma obra.

Outro efeito colateral da IA é a redução do nosso envolvimento com tarefas que antes eram do quotidiano. Hoje, com assistentes virtuais e automatizações, até mesmo pequenas decisões, como qual o e-mail devo responder primeiro ou como organizar o dia, podem ser feitas por máquinas. Apesar de trazer eficiência, voltamos uma vez mais ao conceito de incentivo e importância do treino, do erro, da aprendizagem pessoal, pois questiono até que ponto essas pequenas decisões não são oportunidades de exercitarmos a nossa capacidade de priorizar, refletir e fazer escolhas conscientes, preparando a robustez pessoal (psicológica e social) para situações futuras, onde a decisão individual tem de ser tomada.

A IA, ao aliviar-nos do peso de muitas tarefas, também nos pode privar da experiência de sermos plenamente ativos e intencionais nas nossas rotinas. E de evoluirmos pela aprendizagem pelo erro. E aqui reside o paradoxo: quanto mais a tecnologia faz por nós, mais nos acomodamos e menos nos desafiamos. A eficiência tem seu custo, e esse custo pode ser uma forma subtil de preguiça, que nos distancia da essência do trabalho e da criatividade humana.

No momento da publicação deste artigo, debate-se a retirada de algumas tecnologias nas escolas, pois após alguns anos de facilitismo e incentivo ao uso direto de tecnologias nas escolas em crianças em idade de formação inicial das competências de escrita, leitura e sociais, vários estudos comprovam que esse facilitismo tem potenciado que essas crianças quando alcançam a adolescência se tornem frágeis socialmente e com falhas de confiança e criatividade, pelos "não hábitos" criados.

Então, apesar de todas as facilidades que a IA oferece, não podemos esquecer o valor de nos mantermos envolvidos e ativos nas nossas vidas diárias. A tecnologia deve ser uma ferramenta que nos capacite, e não um substituto para nosso esforço mental e criativo. A preguiça pode ser tentadora quando tudo está ao nosso alcance com apenas alguns cliques, mas, no longo prazo, o verdadeiro progresso surge da nossa capacidade de pensar criticamente, criar com esforço e explorar novas possibilidades por conta própria.

Afinal, a IA pode-nos poupar trabalho, mas cabe a cada um de nós evitar a armadilha de uma vida demasiado automatizada. O esforço, a busca e o envolvimento pessoal são os elementos que tornam as nossas conquistas mais valiosas. E, por mais que a IA nos tente facilitar a vida, há sempre um certo prazer em assumir o controlo, em errar e aprender no processo, e em não deixar que a preguiça, digital ou não, dite o ritmo de nossas vidas.

By Rui Ribeiro